A tênue luz de 51 Pegasi b

Pela primeira vez, cientistas conseguiram detectar a assinatura de luz visível emanada de um planeta fora do Sistema Solar. É o retorno triunfal do planeta 51 Pegasi b ao estrelato — duas décadas atrás, ele se tornou famoso como o primeiro exoplaneta a ser descoberto em torno de uma estrela similar ao Sol.

Concepção artística de 51 Pegasi b, o primeiro planeta descoberto a orbitar outra estrela similar ao Sol, que agora teve sua luz detectada (Crédito: ESO)

Mais que isso, contudo, é a abertura de uma importante janela para o estudo desses mundos distantes — ao detectar a assinatura de luz, é possível investigar coisas como a composição da atmosfera e, assim, fazer uma caracterização mais completa desses planetas.

E o que torna tudo mais empolgante: o achado foi feito com tecnologia atual, em vias de ser ultrapassada por instrumentos e telescópios bem mais poderosos.

O artigo que reporta o resultado acaba de ser publicado no periódico “Astronomy and Astrophysics” e tem como primeiro autor o astrônomo português Jorge Martins, da Universidade do Porto. Entre os co-autores, Nuno Santos, também do Porto, Michel Mayor, um dos descobridores originais do planeta, do Observatório de Genebra, e o astrônomo brasileiro Claudio Melo, do ESO (Observatório Europeu do Sul).

“O Jorge fez um super trabalho e mostra que a técnica pode ser usada para casos mais ousados”, disse Melo ao Mensageiro Sideral.

PROCESSAMENTO
As observações foram feitas com o espectrógrafo HARPS, do ESO, instalado no modesto telescópio de 3,6 metros em La Silla, no Chile. Ele já é o principal instrumento usado para detectar planetas que não passam à frente de suas estrelas com relação a observadores na Terra. Sem o trânsito, o único meio de detectar sua existência é medir, na assinatura de luz da estrela, sinais do pequeno bamboleio gravitacional produzido por planetas que estejam ao seu redor.

No caso de 51 Pegasi, esse bamboleio nem é tão sutil assim. O planeta exerce um efeito gravitacional considerável sobre sua estrela pelo fato de estar muito perto dela — ele completa uma volta a cada 4,2 dias terrestres. Uma comparação com Mercúrio dá uma noção de como isso é pouco — o planeta mais próximo do Sol leva 88 dias para fechar o circuito em torno de sua estrela-mãe.

E, para tornar tudo mais bizarro, 51 Pegasi b é um planeta gigante gasoso. Até então, nenhuma teoria de formação planetária previa que planetas desse porte pudessem existir tão perto de suas estrelas. Agora, a maioria dos cientistas acredita que eles se formem distantes de seus sóis e depois migrem para dentro do sistema.

Fato é que, com esse tamanho e a essa distância, o efeito do bamboleio gravitacional foi grande a ponto de permitir sua detecção na assinatura de luz da estrela em 1995.

A estrela 51 Pegasi, do mesmo tipo que o Sol, localizada a cerca de 50 anos-luz de distância, na constelação do Pégaso (Crédito: ESO)

A grande novidade agora foi desenvolver um meio de subtrair a assinatura de luz vinda da própria estrela, deixando apenas o diminuto sinal da luminosidade refletida pelo planeta, cerca de meio centésimo de milésimo do total da luz. É um nadica.

Ainda assim, graças à técnica de “mastigação de dados” desenvolvida por Martins e seus colegas, foi possível detectar o sinal, com uma confiança de 99,5%. (Tá bom para você?)

Isso permitiu determinar com maior precisão a massa e a inclinação orbital de 51 Pegasi b — estima-se que ele tenha cerca de 46% da massa de Júpiter e sua órbita esteja num ângulo de apenas uns 10 graus com relação à linha que liga a Terra à estrela 51 Pegasi, a modestos 50 anos-luz de distância. Ou seja, por muito pouco ele não passa à frente de sua estrela e provoca um trânsito observável daqui.

Além disso, foi possível calcular o provável albedo (nível de brilho) do planeta e con isso estimar o raio, em 1,9 vez o de Júpiter — o planeta teria metade da massa, mas o dobro do diâmetro, em razão da atmosfera inflada pela alta temperatura, em razão da proximidade com a estrela.

ALÉM DE 51 PEGASI
O sucesso da empreitada demonstra que será possível extrair o espectro de luz refletida por outros planetas. O grupo já ganhou tempo de observação com o instrumento UVES, do VLT (Very Large Telescope), e tentará detectar outros planetas desse modo. Mas a coisa realmente vai ficar interessante quando entrar em operação o espectrógrafo ESPRESSO — sucessor do HARPS a ser instalado no VLT — e quando a próxima geração de telescópios, dentre eles o GMT (de um consórcio internacional com participação paulista, via Fapesp) e o E-ELT (do ESO, que deve ter o Brasil como novo membro se a adesão for aprovada no Senado como já foi na Câmara), estiver funcionando, na próxima década.

Isso permitirá estudar a composição atmosférica e o albedo de um sem número de planetas dos mais variados tamanho, finalmente nos permitindo ter uma noção mais consistente da variedade de mundos existentes nas nossas vizinhanças interestelares. Vai ser sensacional.

O POTENCIAL
Em razão do novo trabalho, troquei ideias com o astrônomo português Nuno Santos, um dos autores do trabalho. Confira abaixo a minientrevista.

O astrônomo português Nuno Santos, da Universidade do Porto (Crédito: UP)

Mensageiro Sideral – A técnica parece promissora. Você acredita que no futuro poderemos fazer a caracterização completa de sistemas usando só espectroscopia, sem precisar de trânsitos para delimitar o raio dos planetas?

Nuno Santos – Não creio que isso venha a acontecer. As várias técnicas são complementares. Os trânsitos permitem medir o raio do planeta. A espectroscopia permite derivar a sua massa (através das velocidades radiais) ou estudar a composição da atmosfera. Todas se combinam para termos a melhor imagem do planeta possível.

Mensageiro Sideral – Embora um sinal com 3-sigma pareça ser muito convincente, pouca informação parece ter saído dele, com barras de erro significativas. Existe a perspectiva, talvez com novos instrumentos e telescópios, de conseguir mais do espectro visível do planeta, talvez permitindo identificação de moléculas na atmosfera?

Santos – A ideia deste trabalho e da exploração desta técnica foi feita com o objetivo de aplicá-la a dados de espectrógrafos futuros, tais como o ESPRESSO (ESO, VLT) ou outros para o E-ELT. Durante o processo apercebemo-nos no entanto que talvez já se conseguisse detectar algo com instrumentos atuais. Então tentamos… e conseguimos este resultado! Agora temos de melhorar para conseguir extrair mais física. Mas a prova de conceito foi feita.

Mensageiro Sideral – Por ora, a técnica está limitada a Hot Jupiters, ou poderia ser aplicada a outros planetas, de variados portes e períodos orbitais?

Santos – Com a instrumentação atual creio que estamos limitados a este tipo de planetas. Mas com o ESPRESSO ou com o E-ELT poderemos estudar planetas de muito menor massa (ou menor raio). Creio que talvez mesmo chegar a planetas semelhantes à Terra (desde que em órbitas de período orbital mais curto).

FONTE : SALVADOR NOGUEIRA

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